Por Joubert Guera
Olha, Alexandre, essa trilha era o seguinte, era uma estrada paralela à antiga estrada de Macacos, que era toda de cascalho, toda ela de cascalho, e não tinha marcação nenhuma, nem delimitação, nem aquelas estacas de contar quilômetro, não tinha nada. Do lado de cá era assim, sempre um meio “abismozinho”, do lado direito de quem ia para Macacos, e na volta era barranco. E era tanto cascalho e branquinho, que quando era noite de São João, de festa junina, junho, julho, por exemplo, você não precisava usar farol.
Por isso que muita gente ia, às vezes comigo, voltava, porque sabia que ia voltar tranquilo. Eu dizia, hoje vai ter lua? Falaram, vai. Aí os dois ou três voltavam comigo e adoravam, e não faziam nenhum fiasco, não.
Aí o que acontece? Do lado tinha uma estradinha que corria, onde tinha uma cerca, e essa estradinha ali, quando eu entrei nela, eu perguntei uma vez para um cara que encontrei lá, não sei onde, do “campo”. Ele falou, essa trilha aqui é dos Mendes. Falei, como é que ela vai? Falei, o senhor vai descer muito ainda, aí o senhor vai virar à direita, tem uma porteira, salvo engano, daquelas porteiras que naquela época estavam escritos Casas Pernambucanas.
Eu posso estar enganado, mas é muito difícil. É porque mistura, em Itaúna tinha, em Viçosa tinha, essas porteiras escritas Casas Pernambucanas, mas acho que aí também tinha, por incrível que pareça. E eu fiz essa trilha dos Mendes, só que ela chegava em uma bifurcação, meu filho, que aí você não sabia.
Se você pegava, às vezes eu peguei. Um, eram duas bifurcações, a outra praticamente era só de trilha, e dava numa florestinha, e eu fiquei meio receoso de entrar lá e depois para voltar, ficava difícil. E até numa dessas eu me ferrei, por causa de um bicho, um touro preto, um boi preto, meu filho.
Me ferrei mesmo, e eu com a Montesa, na época, porque eu não conhecia o terreno, aí fui na Montesa, que era mais leve, litro de gasolina, aquele negócio, e fiquei com medo do bicho enfiar o chifre na moto, para você ter ideia. Eu fiquei lá uma hora e lá vai fumaça até o bicho desistir, para ir embora, para poder vir embora também. Então, essa daí eu não conheci, mas as outras duas eu conheci.
Realmente, quando você chegava numa porteira à direita, tinha dois caminhos, tinha um bem à esquerda, tinha um à esquerda e um outro à direita. Esse à direita, você já saía além de Macacos, mais para frente, mas você tinha que passar por baixo de uma porção de cercas para poder entrar novamente no distrito de São Sebastião de Águas Claras. Então, ele começava antes de São Sebastião de Águas Claras e terminava em São João de Águas Claras, mas com o distrito que eles chamavam de Macacos.
Mas aquela trilha chamava-se Trilha dos Mendes, e ela corria paralela à estrada até chegar em Macacos. Só que a estrada depois para Macacos, ela entrava à esquerda e lá virava à direita, entendeu? Mas estudos maiores eu não tenho. Na época, a gente não ligava muito para isso, não ficava perguntando muito a fundo.
Mas é isso, a história que eu sei dessa PERDIDA é essa daí, era a trilha dos Mendes, tenho certeza, ela chegava num trecho dificílimo que tinha que sair das cercas para depois se tornar, voltar para Macacos, e era um percurso que a gente achava que já estava longe de Macacos e não estava, estava na borda da fronteirinha ali, entendeu? Eu posso te dizer isso aí com toda certeza que até o Zé Davi vai confirmar isso aí, tá bom? Um abraço, se eu me lembrar eu acrescento mais alguma coisa que eu me lembre, beleza?”
Belo Horizonte começou a viver, em outubro de 1976, as emoções do motociclismo “todo terreno”, também conhecido como “trail” — uma modalidade que crescia em popularidade e se firmava como uma nova vertente do esporte off-road no Brasil.
No domingo, 16 de outubro, o Trail Clube Minas Gerais realizou sua quarta prova oficial, reunindo mais de 50 pilotos em uma competição de aproximadamente 100 quilômetros. O percurso ligou a capital mineira ao distrito de São Sebastião das Águas Claras, mais conhecido como Macacos, localizado no município de Nova Lima — região famosa por sua geografia acidentada, estradas desativadas e leitos de rios, ideais para esse tipo de desafio.
A largada ocorreu às 9 horas, na Praça da Liberdade, com os competidores partindo a cada 30 segundos. A rota incluiu trechos da zona sul de Belo Horizonte, passando por trilhas que cortavam a serra, atravessavam Macacos e seguiam até Nova Lima. A chegada se deu na Avenida Afonso Pena, em frente ao restaurante Brunela, com os primeiros participantes cruzando a linha de chegada por volta das 15h30.
Batizada de “Enduro — Perdido de Macacos”, a prova fez referência a um antigo caminho abandonado que ligava Belo Horizonte ao distrito de Macacos — rota histórica que havia sido redescoberta e adaptada para a prática do motociclismo fora de estrada.
As etapas do percurso também chamaram atenção pelos nomes pitorescos, muitos deles já conhecidos entre os adeptos locais do trail: “Cavalo Morto”, “Noiva Voadora”, “Variante da Vaca Oca” e “Passagem do Copo d’Água” foram apenas alguns dos desafios enfrentados pelos pilotos durante a prova.
Segundo o presidente do Trail Clube, engenheiro Paulo Henrique Vaz de Melo, a proposta do grupo era adaptar o esporte às condições brasileiras, levando em conta não só os aspectos técnicos, mas também realidades sociais, econômicas, culturais e geográficas. A cada edição, o clube buscava testar novos modelos de prova, com ajustes no formato e nos regulamentos.
Nas primeiras disputas, por exemplo, os pilotos só conheciam o trajeto no momento da largada. Já nesta edição, os participantes receberam a planilha com o roteiro com antecedência, podendo treinar o percurso. As médias de velocidade e os tempos ideais, no entanto, só foram divulgados no dia da competição.
O sistema de pontuação também evoluiu. Postos de Controle (PCs) foram espalhados ao longo do trajeto, onde os próprios concorrentes registraram, em cartões individuais, os horários de passagem. Foi adotada uma tolerância de apenas 1 minuto em relação ao tempo ideal. Fora disso, cada segundo de atraso ou adiantamento resultava na perda de um ponto. O modelo foi inspirado na Welsh Trail Ride Association, do Reino Unido.
Na época, o motociclismo fora de estrada ainda não contava com regulamentações internacionais ou campeonatos mundiais. As regras variavam de país para país, e o esporte se organizava de forma independente. O motociclismo, de modo geral, era dividido entre as categorias “street” (em vias pavimentadas) e “off-road” (fora de estrada). Dentro desta última, destacavam-se modalidades como o motocross, o enduro, o trial, a corrida de deserto, a subida de montanha e o speedway.
As inscrições para a prova foram feitas na sede da Federação Mineira de Motociclismo, na Avenida Nossa Senhora do Carmo, nº 72, com atendimento prestado por Francisco Laender.
Diário da Tarde – 24 de outubro de 1977 – Dirceu Pereira e Zezito
Veja como apoiar o Ecomuseu do Off Road para continuarmos a oferecer o melhor da história, conteúdos e eventos do universo off road do Brasil.